O escritor Gonçalo Coelho é daquelas pessoas que se simpatiza
facilmente mesmo sem o conhecermos pessoalmente. Comecei a ler um dos seus
livros “O Milagre de Yousef”, penso que já lá vai quase um ano, e foi com agrado
que me deparei com um livro muito bem fundamentado e escrito e que considero um
documento valioso para além de ter uma parte romanceada que me apaixonou
bastante. Poderia dizer mil e uma coisas sobre os livros do autor, porque os
li, mas achei que seria bom apresentar o homem e o escritor por detrás dos livros. Fiz um
convite ao Gonçalo para que nos falasse dele ao qual acedeu prontamente.
Quem é o Gonçalo Coelho? Fala-nos um pouco de ti.
Gonçalo
Coelho é a maior parte do tempo um cidadão comum e pacato que mora em Berlim
Leste, pai de uma linda filha de três anos, casado e trabalha na gestão da
qualidade num dos mais conceituados fabricantes automóveis do mundo. De vez em
quando, pela calada da noite, dá-se então a metamorfose... surge o Gonçalo
Coelho escritor. Alimenta-se dos retalhos do seu passado e, em particular, dos
locais onde viveu (Portugal, Inglaterra, Brasil, Alemanha), as pessoas que
conheceu e aquilo que lá viveu. Um dos seus habitats prediletos é o tema da
diversidade cultural que acha que anda a ser tão mal tratado por esse mundo
fora. Em vez de ser abordado para criar pontes, é antes abordado para desenhar
fronteiras, um meio de dividir pessoas e povos através da identificação das
suas diferenças. Permitam-me a seguinte citação do meu livro “O Milagre deYousef” que ajudará a conhecer melhor o que penso:
“Vista dos céus a
Terra parece toda envolta num interminável marasmo. Seguiu-se a paisagem do
Irão. É claro que vista do céu a Terra também não tem fronteiras, o que talvez
seja indicativo de que a Terra aos olhos de Deus, ou de Alá, palavras que
significam igualmente o Deus único supremo em línguas diferentes, nunca teve
fronteiras, que essa terá sido pura invenção do homem, uma linha divisória
entre homens que Deus nunca pretendeu mas que terá, por qualquer razão,
permitido. Heresia, dirão alguns. Mas será que a existência de fronteiras,
enquanto linhas que separam os homens, não é ela própria heresia? Não
deveríamos ser todos irmãos? Tanto mais que a ideia de fronteira está ela
própria, desde sempre, intimamente ligada à guerra. Não houvesse entre os
homens a ideia de fronteiras terrestres entre grupos de homens que se creem
mais irmãos entre si do que com os outros do lado de lá da linha divisória e
quem sabe não haveria nem um décimo das guerras que houve ao longo da História
Universal. Mas aí está, inexorável, a fronteira. A linha que diz: deste lado
mando eu, do outro mandas tu. Deste lado és nacional do outro és estrangeiro.”
Como começaste a escrever e de onde te surgiu
essa vontade?
A primeira vez que me recordo de sentir prazer na criação de
um texto foi num dos últimos anos do liceu. Foi um texto sobre Camões e a
professora leu-o à turma, classificando-o como um dos melhores daquele conjunto
de resultados dos trabalho de casa.
No décimo segundo ano houve um outro fator de que nunca mais
me esqueci e que me motivou muito a escrever. Depois de uma professora fabulosa
no décimo e décimo primeiro, tive uma professora no décimo segundo que embirrou
comigo desde o primeiro segundo em que me pôs os olhos em cima. Desci de 16 em
20 automaticamente para uma nota, por vezes, negativa sem nunca compreender
porquê. No final do ano, porém, nas provas específicas, tirei 19 em 20, a melhor
nota do liceu. Devo adicionar que as provas específicas eram anónimas, de modo
que os professores não sabiam de quem era o teste que estavam a corrigir.
Depois disso fui estudar Engenharia Mecânica para a Universidade de Sussex em
Inglaterra. Nunca mais vi essa professora até hoje.
Quantos livros já escreveste?
Três. O primeiro foi editado por uma chamada editora
convencional. Publiquei num blogue e fui convidado a publicar na editora. Não
recebi um tostão de direitos de autor, apesar de ter visto num relatório de
vendas que nos primeiros seis meses se venderam mais de seiscentos exemplares.
Houve alguns fãs, houve menções nos jornais e revistas, houve entrevistas,
houve livros nas principais livrarias e hipermercados portugueses. Houve
críticas infundadas, gratuitamente desagradáveis, como da Isabel Coutinho no
Público. Houve presenças agradáveis em congressos literários. Foi uma
experiência e tanto. A editora deixou de existir. Eu deixei de confiar em
editoras, não todas, mas a maior parte. O livro chama-se Poker (2008).
Depois disso dediquei-me a escrever um livro muito
ambicioso. Trata do choque entre Cristianismo e Islão. O grande tema
civilizacional dos nossos tempos. Tem por base a biografia de um terrorista que
fica amnésico. Chama-se “O Milagre de Yousef” (2014). Ultimamente dei início a uma série com a
publicação da “Fugitiva” (2015).
Qual foi o livro que te deu mais prazer
escrever?
Todos me deram igual prazer. Pode parecer clichê mas é a
mais pura verdade. Sempre que termino um capítulo sinto um prazer e uma
adrenalina indescritíveis. Tenho a certeza que outros escritores saberão do que
falo. Considero que o meu livro mais completo é “O Milagre de Yousef”, pela
pesquisa histórica subjacente, pelas borboletas vermelhas (é ler, é ler), pela
biografia do Yousef, pelo tema, enfim não me ponham a falar no assunto, senão
não paro mais.
Como te surgem as ideias para os livros?
Através do que vejo no dia-a-dia, das conversas em que
participo, da atualidade noticiosa e, por último, daquilo que leio.
Já concorreste a algum concurso literário?
Prémio Leya, há alguns anos atrás com o Milagre de Yousef.
Já publicaste em alguma editora convencional?
Onde publicas actualmente?
Já abordei a minha experiência com uma editora convencional.
O mais positivo que retiro dela foi que me motivou a querer escrever melhor,
com mais qualidade e métodos mais profissionais. Foi dessa vontade que nasceu
“O Milagre de Yousef”. Atualmente publico os meus próprios livros na Amazon e
não os confiaria a qualquer editora, sem algumas garantias. Está feita a ponte
para a questão seguinte...
O que pensas acerca da auto-publicação?
A auto-publicação é simplesmente impecável. Total controlo
sobre o que publico, quando e por que preço. Além disso, recebe-se sempre os
direitos de autor no fim do mês. É claro que uma editora tem outros recursos em
termos de distribuição e divulgação mas, no geral, penso sinceramente que não
compensa a não ser que seja realmente fiável, apoie verdadeiramente o autor,
não o considere apenas mais um sem importância e, além disso, se pagar em dia e
fizer boa divulgação. Não me parece que haja assim tantas editoras que
satisfaçam estes requisitos. Além disso, ultimamente divirto-me bastante a
criar capas para os meus livros.
Algum conselho aos autores independentes?
Ler, escrever, dar a conhecer ao público. Aprender, melhorar
e voltar ao início. É um ciclo muito simples. Adiciono ainda que, hoje em dia,
há imensas formas de dar a conhecer os nossos textos ao público como, por
exemplo, wattpad, blog, auto-publicação e grupos de escrita criativa.
Projetos para o futuro?
Concluir a continuação da Fugitiva. Além disso “O Milagre de
Yousef” está a ser divulgado nos E.U.A. e na Suécia por intermédio de dois
tradutores profissionais que se apaixonaram pela obra e se ofereceram para a
divulgar junto de editoras locais. Entretanto, tenciono continuar a divulgar
tanto “O Milagre de Yousef” como a “Fugitiva” junto do público de língua
portuguesa.