Excerto do livro.
Com quem é que ele não queria cometer um pecado? Quem seria a mulher
de quem ele estava a fugir? Seria dela? Não teria decerto interesse suficiente
para levar um conde a fugir dela. Ou teria? E depois, porque não podia tomá-la
para si, como fazia certamente com as outras? Seria assim tão detestável?
Uma névoa densa toldou-lhe o pensamento e a raiva apareceu sem que a
conseguisse controlar e, pior que não se conseguir controlar era desconhecer a
proveniência do descontrolo. Acaso teria pretensões a ser amada por um homem na posição
dele? Um nobre jamais iria olhar para uma rapariga que imagina da plebe, ainda
que seja versada na escrita e na leitura e tenha mais cultura que ele. Sim, era
muito mais culta. Na realidade quase todos os nobres eram uns labregos
ignorantes. Vestiam-se com roupas de veludo e emproavam as caras e os cabelos
imitando os franceses, mas a ignorância era visível. Talvez ele não fosse
assim, mas a raiva que tinha aos homens estava a ser canalizada para a pessoa
do conde de Évora Monte.
Afastou-se do corpo dele com brusquidão deixando-o boquiaberto e a
pensar no que teria feito agora. Ergueu-se ajeitando a saia de montar e, com o
rosto vermelho de despeito encarou-o profundamente, estendeu o dedo indicador perigosamente
na direcção de Manuel Afonso – hábito que lhe valeu muitos castigos em criança-
e disse:
- Faça muito boa viagem Vossa Senhoria e oxalá não apanhe
tempestades como as que causa. Passar bem. Não se incomode de algum dia voltar
e…- continuava de dedo estendido.
- Não gosto nada de si, ouviu? É uma pessoa detestável.
O céu continuava escuro e a trovoada não cedia. Sair no meio de
tamanha borrasca era tolice e perigoso. Com uma agilidade que as senhoras não
costumam ter, desamarrou as rédeas do cavalo, colocou o pé esquerdo no estribo
e saltou para a cela esporeando o animal que reagiu de imediato e largou a
galope chuva adentro.
Manuel Afonso ficou sem reacção. Esperava tudo menos raiva da parte
dela. Ficou a vê-la galopar à chuva em direcção ao Solar de Santa Maria com os
cabelos soltos a agitarem-se ao vento. Uma imagem bela apesar de trágica. Que
mulher decidida e opiniosa. Aquela, ninguém pisava. Sentiu aguçar-se o apetite
de a domar. Tomá-la como sua e possui-la era o que mais desejava embora não
quisesse desonrar uma virgem. Tinha a certeza que estava perante uma mulher
virgem de homem e, tinha a certeza que ela queria dizer precisamente o
contrário daquilo que deitou para fora. Aquela mulher gostava dele. Gostaria
muito de acreditar nela, mas não podia arriscar.
A chuva amainara em poucos
minutos depois da partida de Isabel e a trovoada deu lugar a um sol de meio-dia
envergonhado. Sentia fome mas não estava em condições de se sentar à mesa na
frente dela sem que tivesse uma erecção daquelas que só cediam ao fim de algum
tempo. Há muito tempo que não estava com uma mulher e até o cheiro o excitava.
A coberto da noite, do luar, podia fantasiar as mais variadas cenas eróticas,
os sinais exteriores da sua excitação não eram visíveis, mas durante o dia era
recomendável afastar-se daquela tentação.