Imagens retiradas da internet.
(...)Lá
estava a foto da cobra e do crocodilo. Ele e uns cinco homens seguravam uma
jibóia morta, ao longo do seu comprimento e, na foto ao lado, o mesmo grupo
pousava junto a um enorme crocodilo onde um homem fardado de verde caqui, assentava uma metralhadora. Se fosse hoje
era tido como um ato de barbárie, mas naquela época, anterior a 1975, era uma
proeza. Soldado que era soldado - e homens com eles no sitio -, matava um daqueles bichos abundantes pelas selvas
africanas, para mandar uma foto para as madrinhas de guerra, comprovando a sua
bravura.
Joana
passava as folhas lentamente. Ali estava o seu Adérito com o alferes Torrinha e
com o capitão Antunes, tisnados pelo sol de Angola, e com o peso da guerra nos
ombros embora mostrassem um grande sorriso. Como a vida pode ser enganadora. A
guerra transformara o seu homem num monstro.
Dois
meses depois, de receber aquelas fotografias, chegava um aerograma a dizer que
Adérito terminara a comissão em Angola e vinha de férias à metrópole. Quando
soube a noticia já ele vinha no barco que o conduziria a Lisboa.
Sentia
um frio na barriga só de pensar em ver aquele homem bonito e sorridente. Se o
amor era aquilo, podia dizer que amava o seu homem. Decerto ele teria muitas
madrinhas de guerra[1],
mas a namorada era ela. Ela era a escolhida.
Hoje
duvidava que ele a tivesse escolhido pelos melhores motivos. Dali a uma semana
Adérito dera-lhe o primeiro desgosto.
O
comboio estava atrasado quase uma hora, mas Adérito prometera telefonar para a
venda dos Oliveiras a avisar que ia a caminho de casa, quando embarcasse no
comboio e não o fizera. As duas famílias estavam na plataforma, ansiosos por
verem chegar o bravo soldado que escapara aos “turras” e às malvadas minas que
ceifavam vidas. Mas a espera não dera frutos. Adérito não viera no comboio.
Desembarcaram três dos filhos da terra que estavam na sua companhia e foi com o
coração apertado que viu Manuel do Freixo, aproximar-se.
Os
olhos apaixonados do jovem soldado raso, olharam-na com um misto de amor e
pena:
-
Ele seguiu para o Porto. Tem lá uma madrinha de guerra que foi ver – disse-lhe
Manuel.
Preferia
ter sabido da sua morte. Talvez não lhe doesse tanto.
Manuel
era apaixonado por Joana fazia anos, e foi com algum prazer que lhe deu a
noticia que o seu namorado preferia outra. O recado – e o que ele tinha de
subentendido – estava dado. Joana percebera perfeitamente que ele o fizera por
despeito. Sentia que Manuel lhe estava a dizer que mais valia ter aceite o seu
amor, porque ele, Manuel, nunca a trataria dessa forma. Adérito Simões era o
soldado que apanhara um esquentamento mal pusera os pés em Luanda e se enrolara
com quantas prostitutas por lá encontrou. Joana estava muito enganada quanto ao
homem que escolhera para namorar.
Joana suspirou. Como teria sido a sua vida se
o marido não tivesse ido à guerra e não se entregasse à bebida?
Com
o álbum aberto sobre as pernas envoltas numa manta, a memória recuou mais uns
bons anos e recordou aquele ano em que decidiram casar. Nesse ano estava
doente, sem que os médicos descobrissem o nome da maleita que a impedia de
trabalhar por longos períodos. Casaram em 1975, oito meses depois da guerra
terminar e quando Adérito já não corria perigo de ser mobilizado outra vez para
alguma província das colonias portuguesas. A noite de núpcias passou-a no
hospital com cólicas abdominais e o seu homem a festejar o casamento com os
amigos. Joana tinha vinte e três anos e a esperança que todas as jovens
alimentam ao longo da adolescência: casar e ser feliz ao lado do homem por quem
se apaixonara.
Tudo foi tão diferente que
ainda hoje lhe custa a aceitar que a vida é tão injusta com as pessoas. Quando
voltou para casa, com o aviso que fizesse dieta de lacticínios, encontrou
Adérito alcoolizado e a receção não foi a que esperava. Tomou-a à força e
naquele instante, viu a romantização da sua primeira vez, tornar-se numa coisa
dolorosa e traumatizante. Depois, nos dias, meses e anos que se seguiram, Joana
passou o tempo a dar aulas, nas escolas primárias da região, e a tentar manter
as terras de Adérito a produzir, com a colaboração do capataz.(...)Caras(os) leitoras(es) aqui fica uma amostra de degustação do meu próximo livro a ser lançado lá para o fim do ano. Tinha previsto publicar no Verão, mas obrigações familiares, tem-me "roubado" tempo à escrita.
Adianto que depois de muito pensar, vou publicar o ebook em português do Brasil e o livro físico em português de Portugal. Espero com isso alcançar mais leitores brasileiros que preferem ler em português brasileiro.
Até ao próximo post.
Espero reacções vossas ao excerto e ao tema do livro.
[1] Jovens
que se correspondiam por carta com os soldados que estavam na guerra do
Ultramar, e que podiam tornar-se namoradas, amantes ou esposas.
Assunto muito interessante, que relata um tema vivido pelos jovens da idade doa meus pais. Ainda hoje os ouço falar nas madrinhas de guerra e nos casamentos arranjados desta forma.
ResponderEliminarParabéns Dra. Lídia!
Obrigado pelo seu comentário. Penso que este tema faz parte de muitos milhares de portugueses e, como convivi de perto com os traumas de guerra ( fisicos e mentais), achei por bem escrever sobre o assunto.
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